19 junho 2018 às 00h00

"Tem dez minutos para se despedir dos seus filhos"

Edilberto, Elsa e Maria são três dos mais de dois mil pais separados dos filhos nos centros de detenção de migrantes nos EUA. Menores estão em centros com gaiolas de metal

Susana Salvador

O hondurenho Edilberto achava que estava a perder para sempre o filho de 17 anos, quando foi separado dele após terem sido detidos por uma patrulha fronteiriça ao cruzar o Rio Grande, que separa o México dos EUA. Elsa apelou em espanhol, sem sucesso, para que as autoridades norte-americanas não a metessem num avião de volta à Guatemala sem o filho de 8 anos, de quem tinha sido separada pouco depois de entrar ilegalmente no país. Maria vive em desespero por ter sido obrigada a dizer adeus aos filhos, de 2 e 7 anos, apesar de ter entrado legalmente nos EUA, pedindo asilo. "Tem 10 minutos para se despedir dos seus filhos", disseram-lhe.

Edilberto, Elsa e Maria são apenas três dos mais de dois mil migrantes que, desde meados de abril, foram separados dos filhos nos EUA, ao abrigo da política de tolerância zero da Administração de Donald Trump. Segundo esta, quem entra ilegalmente é formalmente acusado de um crime federal - no passado, quem era apanhado e não era reincidente era sujeito apenas a um processo civil de deportação. Como os menores não podem ficar nos mesmos centros de detenção que os pais, são separados.

Edilberto e Kevin

Edilberto García, de 46 anos, contou a sua história à agência francesa AFP. "Foi um dos dias mais duros para mim, porque sentia que perdia o meu filho", disse. "Senti muito medo", refere, apesar de já ter ao seu lado Kevin, de 17 anos. Foi por ele que arriscou deixar as Honduras, esperando que ele possa cumprir o sonho de ser mecânico. Separados num centro de detenção de migrantes, pai e filho acabaram por se reencontrar quatro dias depois, num refúgio católico. Tiveram sorte: o processo de Edilberto foi para um tribunal de Idaho, onde tem um primo, e Kevin não foi enviado para um albergue ou acampamento.

No domingo, Dia do Pai nos EUA, um dos centros de acolhimento de menores abriu as portas aos jornalistas - mas não às câmaras ou aos fotógrafos. As imagens que existem foram divulgadas pelo próprio centro. "Dentro de um velho armazém no sul do Texas, centenas de crianças esperam numa série de jaulas criadas por cercas de metal. Uma jaula tinha 20 crianças lá dentro. À sua volta havia garrafas de água, pacotes de batatas fritas e grandes mantas térmicas para servir como cobertores", relatou o jornalista Nomaan Merchant, da Associated Press, que esteve no Ursula (centro de detenção em McCallen).

Elsa e Anthony

A história de Elsa Ortiz Enriquez, de 25 anos, foi contada pelo The New York Times. O plano era deixar a Guatemala com o filho Anthony, de 8 anos, para ir viver com o namorado, que trabalha em construção nos EUA. A viagem acabou num centro de detenção no sul do Texas. "Estou completamente devastada", contou a partir da casa da família, na Guatemala. O filho, continua nos EUA.

"Eu implorei-lhes, não façam isto, não o levem", mas uma hora depois o filho era levado para outro local. Ao final de alguns dias, Elsa foi posta num autocarro e, no tribunal, declarou-se culpada de entrada ilegal nos EUA. Já passara uma semana e não sabia nada do filho, quando lhe deram um contacto, mas antes de ter tempo para telefonar, foi informada que tinha o voo de deportação marcado. "Por favor não me ponham no avião", disse. "Não posso ir sem o meu filho", reiterou. Foi a última a subir a bordo e passou o voo em lágrimas. Entretanto já conseguiu falar o filho, que está numa casa de acolhimento sem saber que a mãe já não está nos EUA.

Maria e os dois filhos

O caso de Maria, contado pelo canal de televisão norte-americano em espanhol Univisión, é um dos que, segundo o próprio Trump, não deveria acontecer. É que Maria, que é de um país centro americano não especificado, não entrou ilegalmente nos EUA. Seguia na chamada Caravana de Migrantes que chegou a ter mais de mil pessoas. Maria cruzou a fronteira legalmente, em Tijuana, para pedir asilo, junto com os dois filhos, de 2 e 7 anos.

Segundo a organização Pueblos Sin Frontera, responsável pela caravana, o pedido de asilo foi aceite, pelo que Maria se encontra num centro de detenção na Califórnia enquanto o processo avança. Dos filhos só sabe que foram levados "para onde há mais crianças". Ainda recorda as palavras do filho mais velho: "Mami, não quero ir, não quero que nos separem", contou.

Trump

"As crianças estão a ser usadas por alguns dos piores criminosos na Terra como forma de entrar no nosso país. Alguém tem visto o crime que existe a sul da fronteira. É histórico, com alguns dos países mais perigosos do mundo. Não vai acontecer nos EUA", escreveu Trump no Twitter, que quer uma reforma da lei da imigração. Mais cedo, a primeira-dama, Melania, fizera uma rara declaração política. "Temos de ser um país que segue as leis, mas também um país que governa com o coração", afirmou, dizendo odiar ver famílias separadas.